terça-feira, 15 de maio de 2012

O Sabor da Vida

Após a exibição de A Separação, de Asghar Farhadi, na primeira quinta-feira do mês; tivemos o prazer de exibir, no último dia 10, Gosto de Cereja (1997), um filme de Abbas Kiarostami. Ambos os títulos se inserem na programação do mês de maio planejada pelo Cine Vídeo Cosme Alves Netto. Trata-se do Ciclo Oriente-se, durante o qual exibimos essas duas produções iranianas e ainda exibiremos duas israelenses. Objetivamos, assim, dar mais destaque a obras produzidas no Oriente Médio, as quais raramente chegam ao nosso conhecimento.

Gosto de Cereja nos traz a história do Sr. Badii, que dirige seu carro pelos subúrbios de Teerã, a capital iraniana, em busca de alguém disposto a ajudá-lo em uma tarefa bastante incomum: enterrá-lo após seu suicídio. Badii encontra-se, então, com uma série de diferentes homens, de distintas crenças e necessidades, e é obrigado a se confrontar com seus motivos suicidas e até mesmo testar a sua força de vontade. Abbas Kiarostami nos põe diante, portanto, de uma delicada história cheia de diálogos significativos e motivos incertos.

Mais uma vez somos forçados a repensar nosso modo de vida ocidental diante de uma obra iraniana como essa. Em meio a um ambiente árido, presente na totalidade do longa, acompanhamos a partir do banco do passageiro a jornada do protagonista em busca de alguém necessitado o bastante para ser cúmplice de um atentado à vida. A religião, então, se faz muito presente e perpassa o discurso de todos os personagens com os quais Badii se depara. Mesmo nos subúrbios desérticos e miseráveis de Teerã, ele não consegue encontrar alguém disposto a deixar sua crença de lado para ser parte de um dos maiores pecados que se pode cometer sob aquela religião, ainda que a recompensa seja uma vultuosa quantia em dinheiro. Portanto, podemos constatar a hierarquia de valores oriental, que parece diferir, nesses aspectos, da nossa ocidental.


O diretor ainda nos dá a liberdade da especulação em alguns momentos. Durante toda a sua trajetória, o Sr. Badii nunca revela a seus possíveis ajudantes o verdadeiro motivo pelo qual deseja terminar sua vida. Percebemos apenas a determinação do protagonista em dar um fim ao seu sofrimento. Talvez essa proposital lacuna deixada pelo roteiro nos diga que muito mais importante que conhecer seus motivos suicidas é saber as razões pelas quais ele talvez não devesse cometer o suicídio; as razões pelas quais ele deve continuar a viver e a voltar a "sentir o gosto da cereja". Finalmente, temos um final aberto que pode confirmar essa suspeita. Apesar da aridez e da morbidez, o filme de Kiarostami é muito mais um filme sobre a vida e sobre o porquê de cultivá-la. 

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