quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Caos e Revolta

A quarta e última semana do ciclo de cinema japonês do Cine Vídeo UEA traz ao grande público a produção nipo-francesa Ran, do aclamado Akira Kurosawa. O filme se passa na Era Sengoku (a grosso modo do século XV ao século XVII), na qual o Japão viveu um período de vários conflitos militares que precederam a eventual unificação do país. A história gira em torno do guerreiro e líder de seu clã Hidetora Ichimonji, que resolve abdicar de sua posição em favor de seus três filhos, os quais, por sua vez, herdariam a administração  do clã e seus castelos. No entanto, o primeiro filho, Taro, influenciado por sua esposa, resolve trair a confiança de seu pai e acaba expulsando-o de suas próprias terras, assim lançando a semente de um confronto muito maior que colocará em risco a sobrevivência dos Ichimonji.

"Ran" em japonês significa "caos" ou "revolta", o que acaba se tornando uma síntese precisa da obra de Kurosawa. Com o roteiro baseado nas histórias de Mori Motonari, figura emblemática da história japonesa, e na própria tragédia Rei Lear de Shakespeare, o diretor nos transporta para um período quase que desconhecido para nós ocidentais, preocupados demais com o fim da Idade Média e com o Renascimento na Europa nesse mesmo período. No entanto, em meio a um ambiente onde honra e valores caminham entrelaçados com traição e ganância, somos também presenteados com belíssimas paisagens japonesas, que contribuem de forma marcante para o valor estético e até mesmo narrativo da obra.

Akira Kurosawa, portanto, deixa sua imensa marca no gênero jidaigeki (filmes de época japoneses) com uma grande produção de U$12.000.000,00 que agradou críticos de todo o mundo. Muito elogiado por sua direção de arte no tratamento das paisagens e da trilha sonora, o filme ainda foi indicado a três categorias no Oscar e ganhou a estatueta de melhor figurino. Trata-se, assim, de um importante nome do cinema japonês, pois une competentemente aspectos técnicos com uma história que trata de temas não só orientais, mas também universais como, lealdade, honra e até niilismo. Dessa forma, não perca nesta quinta-feira, às 17h, no auditório da UEA-ENS o encerramento deste interessante ciclo. Contamos com a sua presença!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Drama Erótico, Não Pornográfico

Após visitar gêneros como o anime e a comédia nas sessões anteriores, nesta terceira semana do ciclo de cinema japonês, o Cine Vídeo UEA realizará a exibição do polêmico O Império dos Sentidos, dirigido por Nagisa Oshima. Baseado numa história real, o filme franco-japonês de 1976 trata de trazer para as grandes telas um acontecimento que deixou a mídia e a sociedade japonesa dos anos 1930 em polvorosa. Sada Abe (Eiko Matsuda) é uma ex-prostituta que começa a trabalhar como empregada em um estabelecimento de boa reputação em Tóquio. Assediada por seu patrão, Kichizo Ishida (Tatsuya Fuji), a jovem cede aos desejos do mesmo e dá início a um relacionamento regido pela luxúria e pela obsessão, o qual resulta em consequências catastróficas. 

As rígidas leis de censura do Japão na época impediram a produção integral da obra da maneira em que Oshima desejava. Assim, as filmagens não editadas foram enviadas para a França, onde seriam devidamente trabalhadas. Embora originalmente produzido para exibição em larga escala, devido ao seu forte conteúdo de sexo explícito não simulado entre os atores, o filme foi em um primeiro momento censurado em diversos países como Estados Unidos, Alemanha e o próprio Japão, mas hoje já é visto de outra forma pelos críticos de cinema. Vale ressaltar que há uma diferença entre a pornografia e o conteúdo erótico, pois este tem objetivos artísticos que se estendem além dos daquela.

Instigante pela veracidade dos fatos ali encenados, O Império dos Sentidos explora, muito além do sexo, o papel da obsessão e da possessividade dentro de relações doentias. Ao embarcar nessa paixão além da sanidade, Sada e Kichizo, sem saber, estão selando seus próprios destinos, pois além de alterar a visão que a sociedade tem do casal ao testemunhar a leviandade com que levam seu relacionamento, os dois mergulham numa curva de decadência que não termina nada bem para ambos. Além disso, embora o sexo retratado na obra seja um tanto quanto chocante para os mais acostumados ao cinema tradicional, é possível vislumbrar sua função dentro da significância da obra numa análise mais posterior. Portanto, é necessário que analisemos certos filmes do ponto de vista da quebra de tabus, já que uma sociedade mais aberta ao debate franco e respeitoso tem mais chances de gerar cidadãos mais bem informados e dotados de um senso crítico menos ideológico e mais apurado.

sábado, 12 de novembro de 2011

Ohayo!

Dando prosseguimento ao ciclo de filmes japoneses inaugurado na semana passada com o anime O Túmulo dos Vagalumes, o Cine Video UEA dá um salto de meio século para exibir Bom Dia, comédia de 1959, dirigida por Yasujiro Ozu. Renomado por obras como Era Uma Vez em Tóquio, Ozu é uma das grandes referências do cinema de seu país, famoso, entre outras coisas, por seu estilo peculiar no uso da camêra e por não seguir os modelos de produção hollywoodianos. Na obra em questão o cineasta retrata o dia a dia dos moradores de um pequeno conjunto habitacional de uma cidade japonesa, dando foco às travessuras e desejos das crianças e a muitas vezes complicada relação entre vizinhos.

Esse olhar infantil é parte indissociável tanto do elemento cômico quanto da mensagem fundamental por trás da obra. As crianças estão diretamente ligadas ao desenrolar da história e suas ações acabam afetando os relacionamentos dos adultos de uma forma que eles mal imaginam. Aliás, essa relação entre a inocência juvenil e a experiência intolerante nos oferece uma questão linguística interessante. Os jovens, por ainda não estarem totalmente a par das convenções sociais, falam o que pensam do alto de sua sinceridade, assim, lançam suas dúvidas sobre a interação dos adultos ao verem que estes muito se cumprimentam com educação e civilidade, mas não dizem realmente aquilo que deve ser dito. Pelo contrário, essa incapacidade de transmitir o verdadeiramente essencial acaba levando-os ao desentendimento e às rixas mesquinhas de vizinhos.

Igualmente cômica são essas sequências em que vemos a articulação da vizinhança diante de um simples problema de fácil solução. Mesmo a distribuição geográfica das casas do conjunto contribuem para o sentido de que a proximidade e a aglomeração urbana aproximam as pessoas. O que nos leva a dois lados de uma mesma moeda. Primeiro, essa distância diminuta pode reforçar a ideia de que os problemas de um não são independentes dos problemas de todos, por isso, ao debatermos juntos determinado assunto, a solução pode se dar como um benefício geral. Segundo, essa vizinhança mais íntima pode levar à invasão de privacidade tão bem apresentada no filme, no qual nossa esfera de interferência extrapola nossas próprias paredes e se sobrepõe à dos nossos vizinhos. A solução não deve ser fácil, mas parece estar no equilíbrio.



Diante disso, são contrastantes as iniciativas de crianças e adultos. Estes agem baseados em puras suposições escondidas pelo véu da civilidade, o que torna suas relações um tanto quanto voláteis. Já aquelas se juntam num esforço obstinado para correrem atrás daquilo que lhes interessa, sejam quais forem as consequências de seus desejos sinceros. Portanto, Bom Dia é mais que uma comédia que retrata a vida cotidiana, com seus casos triviais e diversões infantis. É uma obra que nos põe cara a cara com questões importantes de uma vida em sociedade, já um pouco subestimada por seu caráter cotidiano.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Cine Vídeo UEA Vai para o Oriente

Encerrado o ciclo de produções brasileiras do mês passado, o Cine Vídeo UEA vem com prazer anunciar o início de um novo ciclo para o mês de novembro. Os filmes nacionais dão lugar a obras provenientes do outro lado do mundo, da terra do sol nascente. O cinema japonês é um dos mais antigos do mundo e um dos de maior expressão. Em 2009, segundo pesquisa publicada em um site do governo australiano, o Japão ocupou a quarta posição em uma lista de países que mais produziram filmes naquele ano. Variando desde gêneros históricos até os populares animes, a indústria cinematográfica japonesa tem muito a nos oferecer, especialmente porque suas produções não chegam ao nosso conhecimento tão facilmente. Dessa forma, exibiremos nesta quinta-feira, 3, O Túmulo dos Vagalumes, escrito e dirigido por Isao Takahata.

A animação nos traz a difícil história de dois órfãos no Japão do final da Segunda Guerra Mundial. Após perder sua mãe e seu lar em um bombardeio repentino, Seita se vê obrigado a tomar conta de sua irmãzinha, Setsuko. Para isso, não deve apenas encontrar abrigo e comida, mas também um lugar em que possam achar ao menos um resquício de felicidade em um mundo onde o terror da guerra influencia diretamente a vida de todos.  Produzido em 1988, o anime é baseado no romance epônimo semiautobiográfico de Akiyuki Nosaka, escrito com a intenção de ser um pedido de desculpas à irmã falecida do autor.

Embora a guerra seja o pano de fundo da história, sua importância nos atinge de forma oblíqua, pois a obra explora com maior preponderância o valor da esperança e da perseverança em um ambiente onde a vida pode ser tão passageira quanto a de um vagalume. Mesmo sem ter o que comer, ou onde morar, os protagonistas nunca deixam de seguir adiante e enfrentam as adversidades de uma vida miserável com um estoicismo admirável, despertando uma agonia agridoce até nos mais insensíveis dos espectadores. Dessa forma, mesmo o final já antecipado no início do filme não diminui de forma alguma a lição de superação que o autor nos oferece.


O Túmulo dos Vagalumes abre, portanto, nosso ciclo de novembro concentrado no cinema japonês. Nas próximas semanas ainda exibiremos outras grandes obras como Bom Dia, comédia dos anos 50 dirigida por Yasujiro Ozu; O Império dos Sentidos, coprodução nipo-francesa de 1976 e Ran, drama de guerra baseado numa peça de Shakespeare e dirigido pelo famoso diretor Akira Kurosawa. Assim, vários serão os gêneros exibidos, os quais, embora não consigam cobrir todo o escopo das produções japonesas, certamente representarão um pouco de sua grandeza e genialidade. Contamos, então, com a presença de vocês todas as quintas de novembro às 17h no auditório da Escola Normal Superior da UEA!
"Por que os vagalumes morrem tão cedo?"