quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Propaganda Revolucionária

Para fechar o mês de outubro, o Cine Vídeo UEA convida o grande público para prestigiar a obra de Aurélio Michiles, Gráfica Utópica. O documentário foi produzido a partir de uma exposição montada pelo CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, na qual a arte construtivista foi exibida. O construtivismo surgiu após a Revolução Russa de 1917 como forma de propaganda, embora, posteriormente, tenha influenciado outras formas de arte como o cinema, a poesia e o teatro. Nossa sessão de hoje ainda contará especialmente com a presença do próprio idealizador, que explanará acerca de seu processo criativo quando da realização do filme.

Gráfica Utópica explora o impacto e o valor que a vanguarda russa em questão teve dentro de um panorama artístico mundial, bem como na esfera da arte brasileira, mostrando as produções de artistas como Eisenstein e Vertov. Além disso, os depoimentos - de Evandro Salles, curador do CCBB, dos diretores José Celso Martinez e Cacá Rosset e do músico Arnaldo Antunes - demonstram como o construtivismo, embora suplantado pelo realismo socialista de Stálin, foi de grande importância para diversas vertentes da arte. Portanto, compareça hoje, 27, ao auditório da Escola Normal Superior às 17h e prestigie o cinema amazonense.    

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Incrivelmente Abalável

Seguindo a linha das produções brasileiras, o Cine Vídeo UEA tem o prazer de informar ao público que o filme desta semana é Cronicamente Inviável, do diretor Sérgio Bianchi. O longa é composto de várias seções que em algum ponto se entrelaçam para formar um mosaico nada satisfatório acerca dos mais variados aspectos da realidade brasileira da virada do século, a qual obviamente não mudou muita coisa uma década depois. Retratando a história de várias personagens e viajando de norte a sul, Bianchi chega até a chocar os mais desprevenidos com a agudeza de suas cenas, as quais desvelam diante dos nossos olhos coisas que muitos de nós preferem não ouvir ou fingir que não lhes diz respeito. 

Muitos são os pontos de vista e as peças que formarão essa colcha de retalhos preocupante. Luiz (Cecil Thiré), o qual tira proveito de seus empregados, é dono do restaurante que ao mesmo tempo faz a ligação e causa o choque de realidade entre as personagens. Amanda (Dira Paes) é sua ríspida gerente que busca o lucro até mesmo através da exploração de necessitados. O casal Alice e Carlos (Betty Goffman e Daniel Dantas), por sua vez, representam a classe média-alta brasileira e trazem à discussão conceitos como caridade e culpa numa sociedade desigual, além da suposta trambicagem inata da tradição cultural do povo brasileiro. Já o pesquisador Alfredo  (Umberto Magnani) parece ser o único que realmente tem uma visão mais apurada do mundo que o cerca e aparenta querer mudá-lo, no entanto, percebemos que até os mais esclarecidos não se escusam de recorrer a  alternativas de moral questionável em proveito próprio. Finalmente, também nos é oferecido o ponto de vista das classes menos favorecidas através de personagens como Ceará (Leonardo Vieira) e Adam (Dan Stulbach), que se vêem imersos em um meio tão hostil e precisam descobrir como se adaptar a ele.

Apesar de pecar em certos aspectos técnicos como fotografia, a grande significância da obra se encontra nesse aspecto mais explícito de denúncia, no trato direto dos nossos problemas, sem a maquiagem que disfarça de certas produções globais. Cronicamente Inviável nos força, de maneira quase violenta, a prestar um pouco mais de atenção em questões como identidade cultural e dominação de todos os tipos no nosso cotidiano. Na tentativa de proporcionar ao espectador um panorama mais abrangente, a obra acaba nos convencendo quanto ao título que recebeu. Enquanto continuarmos com o status quo em que nos encontramos, segundo o qual a dignidade do homem está sujeita ao valor econômico que este representa perante a sociedade, teremos ainda diversas barreiras para superar rumo a uma sociedade mais honesta e mais humana, como sugere o desfecho da importante história de Sérgio Bianchi.


"A felicidade é uma perfeita forma de dominação autoritária."

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ralo Abaixo

Primeiramente gostaríamos de agradecer a presença de vocês na nossa sessão de estreia na última quinta-feira, 6, no auditório da Escola Normal Superior. Esperamos que tenham gostado do curta Revivendo Cosme e do longa O Beijo da Mulher Aranha. Nossa programação de outubro já foi fechada e é com grande entusiasmo que anunciamos que às 17h de hoje, 13, exibiremos a aclamada obra do diretor brasileiro Heitor Dhalia, O Cheiro do Ralo, protagonizada por Selton Mello e vencedora de prêmios internacionais.

O filme nos conta a história de Lourenço, dono de um negócio que compra objetos de pessoas com problemas financeiros. Extremamente egocêntrico em todas as suas relações, o protagonista, supostamente influenciado pelo cheiro do ralo de seu banheiro, passa da frieza com que trata seus clientes à diversão de tirar proveito dos mesmos. Lourenço, no entanto, é pego de surpresa quando começa a perder o controle sobre aqueles que explora e de repente aquilo que lhe dava prazer pode acabar selando seu destino.

Apesar de tratar de temas mais sérios, como exploração sexual e desumanização, o longa também nos proporciona momentos de humor. O protagonista, em seus devaneios diários, não se demonstra muito politicamente correto e suas opiniões e sonhos excêntricos acabam despertando uma certa empatia no público devido à estranheza de seus atos. Em contrapartida, através de atitudes moralmente questionáveis, a personagem desenvolve também uma das funções principais da obra: estimular o pensamento dos espectadores quanto às relações de poder no nosso dia-a-dia e até que ponto elas podem nos influenciar. Nesse sentido, alternando entre o cômico e o imoral, a interpretação de Selton Mello é vital para a realização da obra e ele a faz de forma brilhante.


Em última instância, O Cheiro do Ralo nos convida a uma análise do nosso lado mais obscuro e perverso, de como ele faz parte da nossa natureza. A alegoria do ralo, dessa forma, desempenha uma função instigadora. Através dela, percebemos como podemos ser influenciados por nossos pensamentos mais egoístas e negativos e de que maneira alteramos nossa realidade à medida que damos ouvidos a eles. Ao ceder à influência do “cheiro do ralo”, acabamos tendo que pagar o preço das conseqüências, as quais podem ser muito diferentes das que tínhamos em mente, como foi muito bem mostrado na obra de Heitor Dhalia. Exibiremos, portanto, uma obra que foge bastante dos padrões temáticos mais recorrentes no cinema nacional e que, por isso, merece igual destaque. Assim, reiteramos nosso convite e contamos com a sua presença hoje às 17h no auditório da Escola Normal Superior.
"O poder é afrodisíaco. O cheiro me dá poder, o cheiro e o olho"

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Opressão, Sonhos e Tolerância

Lançado em 1985, o longa O Beijo da Mulher Aranha, de Héctor Babenco, foi um marco do cinema independente. Sua história se passa em uma prisão em São Paulo - embora pudesse ser qualquer cidade latino-americana - onde dois homens completamente diferentes dividem uma cela. Um deles, Luis Molina, interpretado por William Hurt, é um homossexual afeminado que reconta um de seus filmes favoritos a fim de esquecer, mesmo que temporariamente, a clausura e o ambiente opressor em que se encontra. Já o outro, Valentin Aguerri, personagem de Raul Julia, é um prisioneiro político fiel a seus ideais e disposto a dar a vida pelo que acredita. Tal encontro de figuras tão distintas é o início de uma amizade inesperada, enriquecedora tanto para as personagens como para o público.

A narrativa central protagonizada pelo par de detentos é frequentementre entrecortada pela história contada por Molina, criando, assim, um efeito desconcertante na comparação de realidades tão inconciliáveis. Em meio ao horror da prisão, onde os homens são sujeitos a péssimas condições de sobrevivência e até à tortura, o espectador é transportado até elegantes salões e prédios da Paris ocupada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, onde uma elegante história de amor se desenrola como fachada para a propaganda da ideologia nazista. A fotografia, nesse ponto, merece ser especialmente mencionada no contraste entre as duras cores da crua realidade do aprisionamento e os tons sépias majestosos do sofisticado filme de Molina.

Além dos artifícios narrativos e da fotografia, vale também apontar as atuações como um dos pontos fortes do filme. Raul Julia consegue interpretar na medida certa um revolucionário enfurecido com a perseguição política que sofre, mas ao mesmo tempo sensível, embora não imediatamente, aos medos e aspirações de seu companheiro de cela e em última instância até aos seus próprios. Em contrapartida, vemos William Hurt dar vida a um homem frágil e sonhador, o qual afirma ter nascido apenas acidentalmente com o sexo masculino e que aprendeu a viver em uma sociedade opressora. Hurt ainda ganhou por esse papel o Oscar, além de outras premiações, de melhor ator, tornando-se o primeiro a receber o prêmio da Academia por uma personagem abertamente homossexual.


O Beijo da Mulher Aranha foi indicado a vários prêmios e foi sucesso de crítica. Marcante não só por sua técnica e atuação, mas também por seu oportuno momento histórico, o longa foi lançado no período após as grandes ditaduras militares na América Latina e mostra como um governo repressor pode influenciar a vida daqueles que oprime. Para além da questão política, no entanto, o filme é um verdadeiro exemplo de como duas pessoas diferentes podem alcançar um entendimento mútuo e até sentimentos mais profundos. Acaba se tornando uma lição de tolerância que nos diz respeito até os dias de hoje, além de nos lembrar da importância dos sonhos em um quotidiano que muitas vezes nos assusta e desencoraja.
"Por que eu pensaria na realidade neste buraco fedido? Por que ficaria mais deprimido do que já estou?"