terça-feira, 17 de abril de 2012

Macabro e Sem Gritos

No mês de abril o Cine Vídeo Cosme Alves Netto traz o Ciclo de Destaques de 2011. E após a exibição de obras como Cisne Negro e Melancolia, nesta terceira semana do mês, exibiremos o elogiado longa de Pedro Almodóvar, A Pele Que Habito, vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro segundo a Academia Britânica de Cinema (BAFTA).

O diretor espanhol nos contempla com a história de Robert Ledgard, um renomado médico que realiza experimentos nos quais cultiva uma espécie de pele artificial, por ele batizada de Gal em homenagem a sua esposa, vítima de severas queimaduras. Para a comunidade científica, no entanto, diz que  suas experiências são conduzidas em ratos, mas secretamente o Dr. Ledgard as realiza em uma moça chamada Vera, a qual ele mantém em cativeiro dentro de sua própria residência. A verdadeira história de Vera, contudo, é ainda mais estranha e envolve uma trama familiar típica de Almodóvar.


Segundo o próprio diretor, A Pele que Habito se trata de uma "história de terror sem gritos ou sustos". E certamente o elemento macabro encontra-se presente no desenrolar da trama. Notamos que a nossa percepção do caráter do protagonista se altera ao termos um vislumbre de seu passado através da técnica de flashbacks, sempre presentes nas obras de Almodóvar. O que inicialmente nos parece obstinação por parte do Dr. Ledgard acaba se transformando em uma obsessão vingativa que este leva até as últimas consequências ao procurar por algo a que se ater após as mortes trágicas de seus entes queridos. Essa busca, portanto, tão intensa em sua ira, acaba determinando o destino do médico.




O mais recente longa do cineasta espanhol, assim, além de apresentar todos os aspectos que já o consagraram ao longo de sua carreira - como a fotografia, os cenários, o jogo de cores e os diálogos -, também incorpora novos elementos temáticos que se encaixam com louvor à sua vasta gama de habilidades como contador de histórias. Nesse sentido, incluem-se em A Pele Que Habito questões de éticas da medicina, sexualidade, vingança, ódio e perdão, os quais se misturam e formam entre as personagens uma complexa rede de relações que não podem ser facilmente discernidas, pois já não se é mais possível separar as coisas como se fossem preto e branco. Tratando de problemas de identidade, como sugerido no título, o filme nos prova cabalmente que nada na personalidade humana pode ser simplificado, que o que outrora era ódio pode, por exemplo, tornar-se obsessão inflamada pela paixão. Dessa forma, esta é mais uma obra que merece destaque num ciclo que se propõe a exibir produções que marcaram o ano de 2011. Não perca, nesta quinta-feira, às 18h, na UEA - Escola Normal Superior!

domingo, 15 de abril de 2012

Calma e Caos no Fim do Mundo

Após a estreia de um novo ciclo no dia 4 com Cisne Negro, de Darren Aronofsky, nessa segunda semana de abril tivemos o prazer de realizar a exibição de Melancolia, do cultuado diretor dinamarquês Lars Von Trier. Trata-se do Ciclo de Destaques de 2011, que incluirá também, nas próximas semanas, A Pele que Habito, do espanhol Pedro Almodóvar, e Meia-noite Em Paris, do americano Woody Allen. Portanto, caso você não tenha visto tais obras nos cinemas de Manaus durante o ano passado, o Cine Vídeo UEA felizmente lhes oferece mais uma oportunidade para prestigiá-las.

Melancolia gira em torno de duas irmãs, Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). Justine acaba de casar-se, mas claramente se encontra em um profundo estado de depressão, do qual nem seus familiares mais próximos conseguem resgatá-la. Claire, já bem estabelecida em sua vida, é casada e tem um filho. A iminência da passagem de um misterioso planeta pela Terra, no entanto, acaba influenciando diretamente o estado de espírito das duas irmãs, que se preparam de maneiras distintas para o possível fim do nosso planeta.

Diante de desafios como a criação digital de um planeta, a fotografia do longa de Lars Von Trier é um dos aspectos técnicos mais marcantes da obra. Nesse sentido, sua sequência de abertura merece um destaque especial. Nela, dialogando diretamente com a pintura através de uma sucessão de imagens em slow motion extremo, o diretor nos oferece vários vislumbres dos temas a serem tratados em Melancolia, construindo, assim, uma série de quadros mórbidos e simbólicos que mostram os últimos momentos da vida das personagens na Terra. Tudo isso ao som do prelúdio da obra Tristão e Isolda, de Wagner. Após revelar logo no início o final completamente oposto ao happy ending hollywoodiano, Lars Von Trier prossegue, então, com os momentos que o antecederam, dividindo a obra em duas partes, cada uma tratando de uma irmã.


Em entrevista, o diretor dinamarquês conta que a ideia original do filme se deu durante uma sessão de terapia na qual este tratava sua depressão. Segundo seu terapeuta, pessoas melancólicas tendem a agir mais calmamente em situações catastróficas, enquanto pessoas comuns são mais aptas a entrarem em pânico. Tal noção é claramente explorada em Melancolia. A própria estrutura do longa se reflete nesse conceito. A primeira parte, intitulada "Justine", nos mostra uma das protagonistas em depressão mesmo durante um dos eventos mais importantes de sua vida, seu casamento. Em contrapartida, na iminência da colisão entre os planetas, é ela quem mais se mantém serena e racional, ao contrário de sua irmã. Lars Von Trier, portanto, constrói sua história na justaposição dessas visões e conclui o destino de Justine e Claire comprovando sua proposta inicial com uma belíssima cena final. Assim, concluímos a segunda semana do Ciclo de Destaques de 2011 com um longa que não trata do fim do mundo com as explosões e a ficção científica que estamos acostumados a ver, mas de como diferentes pessoas podem reagir de maneiras diferentes em situações de estresse elevado.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ciclo de Abril: Destaques de 2011

Após termos exibido em março filmes como Cantando Na Chuva e Cinema Paradiso de acordo com o Ciclo do Metacinema, temos o prazer de convidar a todos os alunos, professores e funcionários da UEA, bem como a população manauara em geral, para prestigiarem a abertura de mais um ciclo, que ocorrerá neste mês de abril. Trata-se do Ciclo de Destaques de 2011. O ano passado nos trouxe valiosas adições ao rol de grandes obras cinematográficas, mas muitas delas, infelizmente, não chegaram aos nossos cinemas, ou, se chegaram, passaram pouquíssimo tempo em cartaz. Portanto, para, ao menos tentar, suprir um pouco dessa falta, preparamos a seguinte programação:

- 04/04: Cisne Negro, de Darren Aronofsky;
- 12/04: Melancolia, de Lars Von Trier;
- 19/04: A Pele Que Habito, de Pedro Almodóvar;
- 26/04: Meia-noite em Paris, de Woody Allen.

O filme que hoje será exibido, portanto, é o do diretor americano Darren Aronofsky, Cisne Negro, indicado a cinco categorias do Oscar e vencedor na categoria de Melhor Atriz, pela atuação de Natalie Portman. Embora seja oficialmente de 2010, só chegou ao Brasil no ano passado, por isso foi incluído neste ciclo. O longa nos traz a história de Nina Sayers, uma bailarina de Nova Iorque que é escalada para interpretar as duas personagens principais do famosíssimo O Lago dos Cisnes. Contudo, apesar de ser perfeita para o papel do Cisne Branco, Nina tem muitas dificuldades para lidar com o lado mais obscuro de sua personalidade e, assim, interpretar o Cisne Negro. Um desafio que a princípio porá à prova sua carreira acaba, então, pondo à prova sua própria sanidade.

O filme trabalha com alguns conceitos de obras consagradas como O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. Dialogando em parte com o único romance de Wilde, a protagonista, através de sua arte, busca a todo custo a perfeição do belo em suas apresentações, o que a acaba consumindo e ocasionando uma ruptura de valores. De repente, tudo que havia em sua vida - profissão, relacionamentos e família, por exemplo - é diretamente afetado pela sua obsessão por uma personagem tão difícil de interpretar, já que possui uma índole muito diferente da sua. Nesse sentido, temos a relação com o romance de Stevenson, o qual nos oferece um debate entre nossas distintas forças internas, o lado do bem e o lado mal. A todo instante Nina ouve de seu diretor, Thomas (Vincent Cassel), que deve se soltar mais e liberar seu lado mais selvagem e primitivo, o que prova ser uma árdua tarefa para uma mulher que a vida inteira se dedicou ao balé por influência direta de uma mãe ex-bailarina,  carinhosa e rígida, que também, em contrapartida e a todo instante, diz quão meiga sua filha é.

Essa dualidade é, aliás, o tema principal do filme. Em inúmeras cenas podemos perceber a presença de espelhos. Na casa da Nina, nos banheiros, nos camarins e no teatro, esses espelhos representam muito bem a relação da protagonista com seu lado interior mais sombrio e como sua identidade aos poucos desmorona por deixar que ele transpareça. A propósito, esses reflexos não ocorrem apenas em espelhos tradicionais, mas em qualquer superfície refletora, como as portas do metrô ou mesmo o palco do teatro. Cada um desses motivos reforça a ideia do trajeto de uma personagem a quem assistimos sofrer por uma pressão externa e ao mesmo tempo autoimposta. Nesse ponto, o filme é uma verdadeira aula de narrativa psicológica que beira o terror. Em vários momentos nos perguntamos se estamos perdendo o juízo junto com a personagem de Natalie Portman. Com efeitos digitais magnifícos, vemos a transformação dolorosa de uma garota genuinamente meiga para o selvagem e sensual Cisne Negro, culminando em um final surpreendente e catártico.



Por fim, Darren Aronofsky nos põe, em última instância, diante de uma história que trata da nossa relação de amor e ódio para com a arte. Ao mesmo tempo que ama o balé e a rotina dolorosa dos bailarinos, a personagem principal acaba se desconstruindo pela pressão da perfeição e se perdendo, mas também se achando finalmente, no caminho. Processo semelhante ocorre também em outras artes, como na literatura,  pois a linguagem e a língua impossibilitam aos escritores de dizerem tudo que desejam, mas ao mesmo tempo, estes não podem deixar de tentá-lo e isso só é possível através da própria língua. Nossa arte, portanto, torna-se uma descoberta árdua que nos força a dialogar com nossa própria essência e buscar dentro de nós mesmos, a partir de pulsões tão opostas, aquilo que de fato julgamos ser belo. Assim, para ver como esses pólos opostos se dão na vida de Nina Sayers, compareça à Escola Normal Superior, às 18h, e prestigie Cisne Negro. Não perca!