terça-feira, 4 de outubro de 2011

Opressão, Sonhos e Tolerância

Lançado em 1985, o longa O Beijo da Mulher Aranha, de Héctor Babenco, foi um marco do cinema independente. Sua história se passa em uma prisão em São Paulo - embora pudesse ser qualquer cidade latino-americana - onde dois homens completamente diferentes dividem uma cela. Um deles, Luis Molina, interpretado por William Hurt, é um homossexual afeminado que reconta um de seus filmes favoritos a fim de esquecer, mesmo que temporariamente, a clausura e o ambiente opressor em que se encontra. Já o outro, Valentin Aguerri, personagem de Raul Julia, é um prisioneiro político fiel a seus ideais e disposto a dar a vida pelo que acredita. Tal encontro de figuras tão distintas é o início de uma amizade inesperada, enriquecedora tanto para as personagens como para o público.

A narrativa central protagonizada pelo par de detentos é frequentementre entrecortada pela história contada por Molina, criando, assim, um efeito desconcertante na comparação de realidades tão inconciliáveis. Em meio ao horror da prisão, onde os homens são sujeitos a péssimas condições de sobrevivência e até à tortura, o espectador é transportado até elegantes salões e prédios da Paris ocupada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, onde uma elegante história de amor se desenrola como fachada para a propaganda da ideologia nazista. A fotografia, nesse ponto, merece ser especialmente mencionada no contraste entre as duras cores da crua realidade do aprisionamento e os tons sépias majestosos do sofisticado filme de Molina.

Além dos artifícios narrativos e da fotografia, vale também apontar as atuações como um dos pontos fortes do filme. Raul Julia consegue interpretar na medida certa um revolucionário enfurecido com a perseguição política que sofre, mas ao mesmo tempo sensível, embora não imediatamente, aos medos e aspirações de seu companheiro de cela e em última instância até aos seus próprios. Em contrapartida, vemos William Hurt dar vida a um homem frágil e sonhador, o qual afirma ter nascido apenas acidentalmente com o sexo masculino e que aprendeu a viver em uma sociedade opressora. Hurt ainda ganhou por esse papel o Oscar, além de outras premiações, de melhor ator, tornando-se o primeiro a receber o prêmio da Academia por uma personagem abertamente homossexual.


O Beijo da Mulher Aranha foi indicado a vários prêmios e foi sucesso de crítica. Marcante não só por sua técnica e atuação, mas também por seu oportuno momento histórico, o longa foi lançado no período após as grandes ditaduras militares na América Latina e mostra como um governo repressor pode influenciar a vida daqueles que oprime. Para além da questão política, no entanto, o filme é um verdadeiro exemplo de como duas pessoas diferentes podem alcançar um entendimento mútuo e até sentimentos mais profundos. Acaba se tornando uma lição de tolerância que nos diz respeito até os dias de hoje, além de nos lembrar da importância dos sonhos em um quotidiano que muitas vezes nos assusta e desencoraja.
"Por que eu pensaria na realidade neste buraco fedido? Por que ficaria mais deprimido do que já estou?" 

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